Marcelo Pimentel diz que baixas patentes seguem exemplo que vem de cima, dos generais que formam um "Partido Militar"
O coronel da reserva Marcelo Pimentel Jorge de Souza virou nos últimos anos uma das vozes mais críticas ao envolvimento das Forças Armadas na política.
Para explicar o porquê, ele conta sobre uma conversa que teve com um tenente sobre como vários dos colegas com quem tinha servido estavam no governo.
"O tenente disse: 'É, realmente, houve um aparelhamento, mas o outro lado, quando governava, fazia o mesmo'. Na hora nem percebi, mas depois vi que ele pensa que os militares têm um lado. Isso é errado", diz o coronel Pimentel à BBC News Brasil.
Nascido em uma família de militares e formado pela turma de 1987 da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), Pimentel diz que isso vai contra tudo pelo que ele trabalhou até deixar a ativa, em 2018.
"Estão destruindo a muralha que minha geração construiu entre as Forças Armadas e o governo, entre o militar e a política", diz o coronel de 54 anos. Se os militares tomam partido, "deixam de ter representatividade para defender o Brasil inteiro", defende ele.
Pimentel avalia que essa mentalidade é cada vez mais comum entre os militares. Mas acredita que as baixas patentes estão apenas seguindo o exemplo que vem de cima, dos generais que formam o que Pimentel chama de "Partido Militar".
Em sua visão, esse grupo, que comanda o Exército, encontrou no presidente Jair Bolsonaro (sem partido) uma forma de chegar ao Planalto sem uma ruptura institucional, como no golpe de 1964.
"Dos 17 generais que formam o Alto Comando do Exército, 15 exercem cargos de primeira ordem. Há militares tanto na administração direta, que é a Esplanada dos Ministérios, quanto nas empresas estatais, autarquias, órgãos de fiscalização."
Ele diz ser por isso que ele chama o atual governo é um governo militar. "As pessoas não enxergam porque esse grupo chegou ao poder sem uma ruptura institucional, mas eles ocupam cabeça, tronco, membros, entranhas e alma desse governo."
De volta ao comando do País, diz Pimentel, esses militares agora estão se preparando para se manter no poder, "com ou sem Bolsonaro".
"A finalidade é manter o poder conquistado"
Ele aponta que são militares formados na Aman nos anos 1970, em plena ditadura - como o próprio Bolsonaro. Tornaram-se generais no primeiro mandato de Lula, segundo Pimentel, e chegaram ao comando do Exército no governo Dilma.
"São generais da reserva em sua maioria, mas também da ativa. É um grupo bastante coeso, hierarquizado, disciplinado, com algumas características autoritárias e pretensões de poder até hegemônicas. Sua finalidade é manter o poder conquistado", diz.
O grupo teria começado a se articular no início da década passada, segundo o coronel, em parte por causa das insatisfações com as conclusões da Comissão da Verdade sobre os crimes cometidos por militares na ditadura e o fato do País ser governado por Dilma Rousseff (PT), uma ex-guerrilheira.
Ao mesmo tempo, a missão da Organização das Nações Unidas (ONU) no Haiti aproximou as Forças Armadas brasileiras e americanas.
"Estabeleceram-se relações pessoais entre os generais brasileiros e americanos. O lazer das tropas era na Flórida, em Nova York, em Washington. Esses oficiais viram como o cidadão americano tratava o militar. olhavam para cá e não sentiam que o brasileiro valorizava, né?", comenta Pimentel.
O coronel diz que foi esse grupo que procurou Bolsonaro e não o contrário. Não teria sido por acaso, portanto, que o presidente lançou sua candidatura na Aman, ainda em 2014.
"Nós temos que mudar o Brasil, tá ok?", disse Bolsonaro na época, diante de um grupo de aspirantes que o chamavam de "líder" - um registo do encontro está no canal no YouTube de Carlos Bolsonaro, filho do presidente.
"Alguns vão morrer pelo caminho, mas estou disposto em 2018, seja o que Deus quiser, a tentar jogar para a direita este País."
"Parece até que ele estava vaticinando o que ia acontecer na presidência dele", diz Pimentel, que é um crítico antigo do presidente.
A decisão do Exército de não punir Pazuello por ter participado da manifestação é mais um exemplo da politização das Forças Armadas e mostra que elas "têm um lado", diz Pimentel. O regimento militar veda manifestações políticas por quem está na ativa. "Mas isso só vale para manifestações contra o presidente ou vale para qualquer manifestação política?", questiona o coronel. A depender dessa resposta, diz ele, o Exército brasileiro estará assumindo uma posição política. "Ficou estranha essa decisão, porque com indisciplina não se transige. É a base da instituição." O comando do Exército concordou com os argumentos do ex-ministro da Saúde e do presidente de que a manifestação não foi um ato político e que por isso o general não cometeu nenhuma transgressão. "Dizer isso é uma ofensa com a inteligência média do indivíduo", diz Pimentel. O próprio coronel foi punido por ter protestado em uma rede social contra a "bolsonarização" do Exército e o fato do governo federal tratar 1964 como uma revolução e não um golpe. Tudo isso aconteceu quando ele já estava na reserva, em 2019, e a lei garante o direito a manifestações políticas a estes militares. Por isso, Pimentel diz que suas punições foram ilegais. "Isso me abalou muito", diz."Sofri uma tentativa de intimidação, uma censura. Mas, se eu fui punido por uma manifestação que pouca gente viu, o que dizer de um general da ativa em uma manifestação claramente política? Isso só torna a minha punição ainda mais injusta."
O coronel diz que seus posicionamentos - ele declarou voto em Fernando Haddad (PT) no segundo turno da última eleição e, "no primeiro, votei no Ciro Gomes (PDT)" - e as críticas que faz ao atual governo e ao Exército tem lhe rendido alguns problemas com amigos e na família.
"Sofro muitos ataques. Fui chamado de (Carlos) Lamarca, de esquerdopata, de comunista, embora nunca tivesse votado no PT antes daquela eleição. Fiz isso porque queria evitar tudo que está acontecendo agora", conta ele.
O coronel diz que faz isso para "despertar a consciência crítica" dos militares, especialmente os mais jovens.
"A minha geração está politizada, eu já perdi a esperança que ela vá romper com esse processo. Quero que as próximas gerações vejam que não é esse o caminho e que a gente tem que ocupar o lugar que a Constituição nos reservou."