REFORMA TRIBUTÁRIA
REPRODUÇÃO/TV GLOBO

Gloria Pires e Mateus Solano em entrevistas virtuais na Globo; artistas contestam alta de impostos
Afetados pelas propostas de mudanças no Imposto de Renda
encaminhadas pelo governo federal à Câmara dos Deputados, artistas contestam o
projeto do presidente Jair Bolsonaro e do ministro da Economia, Paulo Guedes.
Ao Notícias da TV, Gloria Pires e Mateus Solano questionam a aplicação da nova
alíquota --que, se for aprovada no pacote da reforma tributária, pode mais do
que dobrar a taxação da classe artística.
"Não faz sentido cobrar tributos dos artistas com uma
alíquota tão absurda. Se nenhuma outra categoria precisa pagar tanto, por que
cobrar excessivamente desse grupo?", diz Gloria Pires, que está escalada
para ser a grande vilã de Olho Por Olho, novela de João Emanuel Carneiro
prevista para estrear depois do remake de Pantanal na faixa das nove da Globo.
Atualmente, trabalhadores de qualquer área contratados no
sistema PJ arcam com uma alíquota que varia de 6% a 20% ao ano, dependendo da
atividade e do faturamento, pois estão enquadrados na taxação pelo "lucro
presumido", que é um regime tributário simplificado, com uma estimativa de
faturamento.
Segundo a proposta encaminhada ao Legislativo por Paulo
Guedes no último dia 25, o profissional "que tenha como atividade ou
objeto principal a exploração de direitos patrimoniais de autor ou de imagem,
nome, marca ou voz" passaria a ser taxado pelo lucro real, se prestados
pela pessoa jurídica. Ou seja, a medida atingiria atores, cantores,
compositores, escritores, autores e locutores, por exemplo.
O chamado "lucro real" é uma forma de cobrança
usada apenas para grandes empresas ou então para instituições financeiras, como
bancos e operadoras de crédito. O novo imposto faria com que a classe artística
tivesse que pagar 34% de taxas, mais do que o dobro da tributação atual (veja
tabela ao final deste texto).
"Por que exclusivamente a minha profissão deve ter
taxação maior que todas as outras? O que ela tem de diferente em relação aos
advogados, médicos e engenheiros?", cobra Mateus Solano.
O advogado e mestre em Direito Tributário Leonardo
Antonelli, que defende diversos artistas, entende que esse ponto da reforma é
desproporcional: "Até hoje, o lucro real era uma forma de tributação
obrigatória para as grandes empresas, com faturamento anual acima de R$ 78
milhões. É um regime em que todas as despesas necessárias à manutenção e ao
desenvolvimento das suas atividades podem ser deduzidas".
O artigo 12 do Projeto de Lei 2.337 é o que trata sobre as
mudanças no Imposto de Renda para os artistas na reforma tributária. No
documento, o ministro Paulo Guedes justifica o pedido de alteração:
O artigo 12 do Projeto de Lei tem como objetivo ampliar as
situações que estabelecem a obrigatoriedade de apuração do IRPJ (Imposto de
Renda Pessoa Jurídica) e da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido)
com base no lucro real. A medida visa desestimular a utilização indevida do
lucro presumido para alocar rendimentos que deveriam ser tributados pela pessoa
física.
Para ter um vínculo como pessoa jurídica, o profissional
abre uma empresa em seu nome, e essa passa a prestar serviço para a
contratante. Ao contrário do regime com carteira assinada (pessoa física), esse
modelo não dá direito a benefícios como férias remuneradas, 13º salário, FGTS
(Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), seguro do INSS (Instituto Nacional do Seguro
Social) nem seguro-desemprego.
No caso de artistas e alguns jornalistas, a vantagem de ser
contratado como uma empresa é a possibilidade de vincular ao contrato ganhos
com publicidade e merchandising, que são devidamente declarados. A pessoa
física é taxada em até 27,5% do Imposto de Renda, além do INSS. E a jurídica
recolhe, no modelo atual, de 6% a 20%.
O governo, que está em uma ofensiva contra a Globo via
Receita Federal, defende uma "despejotização" nessa área, apesar de o
plenário do Supremo Tribunal Federal, em dezembro de 2020, ter aprovado a
legislação dos prestadores de serviços intelectuais, de natureza artística ou
cultural. A maioria do STF entendeu que profissionais como atores, cantores e
escritores podem ser contratados pelo regime PJ.
Lucro presumido x real
Antonelli fez uma tabela comparativa para demonstrar como é a taxação dos artistas contratados como PJ atualmente e como ficará se esse ponto da reforma tributária for aprovado.
Além do Imposto de Renda e da contribuição sobre o lucro, o levantamento considera os pagamentos que as empresas fazem de PIS (Programa de Integração Social) e Cofins (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social). Veja abaixo:
LUCRO PRESUMIDO (atual) | |
IR (Imposto de Renda) | 4,80% |
Adicional IR pessoa jurídica | 3,22% |
Contribuição sobre o Lucro | 2,88% |
PIS | 0,65% |
Cofins | 3% |
TOTAL | 14,55% |
LUCRO REAL (proposta da reforma) | |
IR (Imposto de Renda) | 15% |
Adicional IR pessoa jurídica | 10% |
Contribuição sobre o Lucro | 9% |
PIS | 1,65% |
Cofins | 7,60% |
TOTAL | 43,25% |
Fonte: Antonelli Advogados
Fora essas taxas, seriam mantidos os 5% de ISS (Imposto
Sobre Serviços) e os 20% de impostos dos lucros e dividendos. Para o
tributarista, caso a medida seja aprovada, o imposto dos artistas será,
proporcionalmente, superior ao de companhias como Petrobras, Vale e CSN.
"As grandes empresas investem muito das suas receitas
e, portanto, podem deduzir tudo que gastam. Os engenheiros, advogados, médicos
e artistas sempre optam por pagar pelo chamado lucro presumido, ou seja, um
percentual sobre a receita, independentemente das despesas, que são
baixas", defende ele.
A aprovação do texto depende do ritmo de votação no
Congresso Nacional, mas a expectativa do governo é que a reforma entre em vigor
a partir de 1º de janeiro de 2022. Até lá, os artistas e outros setores
insatisfeitos com as mudanças tendem a fazer pressão na tentativa de alterações
em alguns pontos do plano.
"A reforma é muito importante para o Brasil e tem
pontos muito positivos para o nosso país. Torço pela aprovação de tudo aquilo
que é justo. Um governo eleito pode e deve apresentar propostas de reformas. Se
muito onerosa, exagerada ou abrangente demais, caberá ao Congresso aprovar,
modificar ou rejeitar. Exercer o sistema de freios e contrapesos é exemplo de
democracia viva", aponta Leonardo Antonelli.